quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Igreja de S. Reagan

Aqui fica um curto esboço de história da financeirização do capitalismo anglo-saxónico dos últimos trinta anos.
«Tudo começou» com a decisão de abolir o controlo do movimento de capitais. Reino Unido, governo conservador de Margaret Thatcher, 1979. Rapidamente seguido pelos EUA de Reagan. A partir daqui geraram-se as forças que criaram um plano inclinado. Iniciou-se um processo de transformação que ficou conhecido pelos três D’s.

Desregulamentação, ou seja, abolição de muitas das restrições à acção dos agentes financeiros, que passam a dispor de uma margem de manobra muito maior. Tudo no quadro de sistemas de regras nacionais cada vez mais «leves» e que procuram fomentar a auto-regulação, a concorrência e a inovação financeira, ou seja, a criação de produtos financeiros cada vez mais sofisticados e complexos. É preciso ser atractivo para os investidores internacionais. Que agora podem escolher. Só os «economistas antigos» é que ainda falam de especulação.

Desintermediação com a correspondente mudança do negócio bancário que passa da monótona e mais controlada intermediação financeira para a excitante apropriação de comissões com a montagem de operações financeiras crescentemente especulativas, arriscadas e potencialmente lucrativas. Entre estas inclui-se a, até há pouco aplaudida, titularização de créditos, na origem da crise. Através desta, os instrumentos tradicionais de dívida resultantes da intermediação financeira – empréstimos e hipotecas, por exemplo – são convertidos em títulos negociáveis e até podem sair dos balanços dos bancos. Tudo legal e óptimo porque se criam novos produtos e novos fontes de lucros. Todos ganhamos. Não é?

O último D é de descompartimentação, ou seja, da abolição das fronteiras entre os vários tipos de instituições financeiras e de mercados. Muito mais concorrência entre grandes e opacos conglomerados financeiros. Tudo óptimo. Tudo construído políticamente. A política dominante diz: «os «mercados é que sabem».

A actividade das instituições bancárias foi assim profundamente modificada pelo fim do controlo governamental da generalidade das taxas de juro, pela abolição das restrições quantitativas sobre o crédito e sobre os investimentos realizados pelos bancos e pela remoção das barreiras institucionais e geográficas entre os bancos, outras instituições financeiras e os investidores institucionais. Os EUA e o Reino Unido estiveram sempre na vanguarda destes processos políticos. Estas desregulamentação e descompartimentação culminaram, nos EUA de Clinton, com o fim por decreto (sempre por decreto...) da tradicional distinção entre bancos comerciais e de investimento. Esta última medida aboliu uma das principais regras que vinha do New Deal.
Em 1998, John Williamson e Molly Mahar, dois economistas com credenciais impecavelmente liberais, fizeram um balanço histórico das políticas financeiras dominantes desde os anos 80 à escala internacional. Sistematizaram-nas em seis dimensões essenciais: (1) eliminação dos controlos de crédito; (2) desregulamentação das taxas de juro; (3) acesso, com restrições cada menores, ao sector financeiro em geral e ao sector bancário em particular e maior concorrência; (4) muito maior autonomia bancária, apenas restringida por uma regulação e supervisão publicas de natureza prudencial; (5) propriedade privada dos bancos; (6) Liberalização dos fluxos internacionais de capitais. A Europa não escapou. Pelo contrário. A Comissão Europeia não patrocinou outra coisa.

Aqui está o problema. Chama-se neoliberalismo. E foi a engenharia dominante do nosso tempo. Os resultados estão à vista. A alternativa é a questão. É uma contra-engenharia. Contra estes «mercados». Para uma próxima posta. texto de João Rodrigues in ladroesdebicicletas

Um dado ilustra a conjugação de medíocre crescimento dos rendimentos e de injustiça social, indissociáveis da configuração de capitalismo sob hegemonia da finança de mercado que emergiu nos EUA, a golpes de política, a partir dos anos setenta: entre 1947 e 1973, época de consenso keynesiano, de contra-poderes sindicais fortes e de mercados muito mais limitados e politicamente enquadrados, o rendimento das famílias mais pobres (20% da população) cresceu, em termos reais, aproximadamente 116,1% e o rendimento das famílias mais ricas (20% da população) cresceu 84,8%; entre 1974 e 2004, na chamada "Era de Milton Friedman", esse crescimento foi, respectivamente, de 2,8% e de 63,6%.

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