Populista, xenófobo e pop star da cena política austríaca, Joerg Haider morreu como gostava de viver, aceleradamente, a 142 à hora numa estrada que tinha como limite de velocidade os 70. Foi no sábado de madrugada, nos arredores de Klaugenfurt, capital da Caríntia, seu feudo político. Ia de uma discoteca para casa da família festejar os 90 anos da mãe.
"Morreu a nossa Lady Di", disse um dos muitos fãs que amontoavam flores às portas do palácio de governo da cidade. O seu sucessor no partido (Movimento para o Futuro da Áustria, BZOe), o jovem Stefan Petzner, chorou perante as câmaras da televisão: "Para nós é o fim do mundo."
Haider viveu "nos limites", observou o diário Kurier. Mudou a cena política da Áustria, "dando más respostas às boas questões". Morreu com 58 anos.
Havia muitos Haider, e imagens dele, conforme as circunstâncias. O dos fatos elegantíssimos. O desportista que sabia usar jeans e gostava dos Porsche. O "Robin dos Bosques" protector dos humildes, que denunciava a exploração dos trabalhadores e simultaneamente defendia propostas económicas ultraliberais.
Líder carismático, jogava com a sua própria "ambiguidade sexual". Escreveu a sua biógrafa Christa Zoechling: "Ele pode ser homem e mulher ao mesmo tempo e é esta volubilidade que lhe permite cativar as multidões." Como uma pop star.
O que estigmatizou a sua figura na Europa foram as tiradas xenófobas e as pequenas frases de banalização do nazismo. "Os nossos soldados [na II Guerra Mundial] não eram criminosos, na maioria foram vítimas." As Waffen SS "merecem o nosso respeito". Falou dos campos de concentração como "campos disciplinares". Elogiou a política de emprego de Hitler.
Quando lhe convinha corrigia. Após o sucesso eleitoral de 1999, que o aproximou do poder, fez contrição: "Lamento pessoalmente, primeiro porque creio ter ferido os sentimentos de pessoas que foram vítimas do nazismo (...), depois porque essas declarações não estão de acordo com os valores pessoais de tolerância e humanidade que são a base do meu trabalho político." Disse compreender a "ansiedade" dos judeus e reconheceu o "carácter único e incomparável do crime do Holocausto".
É "um provocador calculista que joga com a História do seu país", anotou Christa Zoechling. Ao "lavar o passado", Haider liberta a geração da Guerra de toda a culpabilidade, explica a politóloga francesa Cécile Kerebel. Ao contrário da Alemanha, que foi forçada a fazer um doloroso trabalho de memória, a Áustria foi poupada. Os próprios Aliados a tal ajudaram, ao fazer dela uma "nação vítima". Não foi a Áustria anexada pela Alemanha em 1938? Falta dizer: com escassa oposição dos austríacos, a quem o III Reich deixou nostalgia.
O primeiro Haider defendeu a "germanicidade" da Áustria. No início da sua carreira notabilizou-se com um discurso: "A Áustria permanece alemã." Ainda em 1988, declarava na televisão: "Como nação a Áustria foi um aborto, um aborto ideológico."
Ao contrário, no fim dos anos 90, é já um paladino do "nacional-populismo austríaco".
O filho de nazis
Joerg Haider nasceu em Janeiro de 1950, em Bad Goisen, Alta-Áustria. O pai fora militante clandestino do partido nazi (NSDAP) antes da anexação e combateu depois no exército alemão. A mãe tinha sido activista das Juventudes Hitlerianas. Joerg estudou Direito em Viena e cedo entrou na política. Frequentou círculos de extrema-direita. Em 1970, é já o líder das juventudes do Partido Liberal (FPOe), fundado em 1956 e reunindo duas alas, uma propriamente liberal e outra pangermanista, apenas unidas pela oposição aos grandes partidos. Os seus primeiros chefes eram antigos oficiais das SS - tal como alguns dirigentes social-democratas.
Em 1980, um novo líder, Norbert Steger, impõe uma inflexão liberal e participa pela primeira vez no poder numa minicoligação com o Partido Social-Democrata (SPOe). Deputado em 1979, Haider cavalga a vaga nacionalista que domina a Áustria, exige "respeito pela geração dos soldados" e torna-se campeão da denúncia do clientelismo do "sistema".
Em 1986, o FPOe está à beira da ruptura. Haider ataca Steger e, apoiado na ala nacionalista e pangermanista, é eleito presidente em 1986. O FOPe vira à extrema-direita e assume um tom xenófobo e anti-europeísta, provocando o abandono da maioria das figuras liberais.
Em 1989, Haider conquista o governo da Caríntia. Explode o peso eleitoral do partido: 21 por cento nas eleições de 1995 e 26,9 nas de 1999. Implanta-se nos meios operários, seduz os jovens, arrasta os reformados.
No ano seguinte, O FPOe entra no Governo em coligação com o Partido Popular (OeVP, democrata-cristão), do chanceler Wolfgang Schuessel, provocando uma comoção na Europa. A UE ostraciza Viena durante seis meses.
O resultado da experiência foi no entanto desastroso para Haider. Para entrar na coligação, o FPOe moderou o discurso e a sua imagem foi anulada por Schuessel. Entra em rápido declínio eleitoral e divide-se.
Os "ultras" passam a contestar abertamente a liderança autoritária de Haider. Em 2005, ele tenta retomar o controlo do partido, invertendo o seu "putsch" de 1986: afastar os germanistas e moderar o discurso xenófobo - menos eficaz dada a quebra da imigração. A fronda é encabeçada pela secção de Viena, de Heinz-Christian Strache. Haider bate a porta e funda um novo partido - o BZOe.
Após o descalabro da "grande coligação" (SPOe-OeVP), as eleições de Setembro consagram a ascensão de Strache, que volta a radicalizar o discurso xenófobo: "Viena não será Istambul."
Mas, inesperadamente, Haider sobrevive. Se o FPOe alcança 17,5 por cento, o BZOe salva-se com 10,7. Os "irmãos inimigos" somaram 28 por cento. E o governador da Caríntia começou a construir uma imagem respeitável, sonhando com a chancelaria.
A sua morte pode facilitar a reunificação da extrema-direita, obrigando a refazer todos os cenários. O novo líder social-democrata, Werner Faymann, colou-se ao populismo e fez alianças pontuais com Strache. Há uma forte pressão para restabelecer a "grande coligação", de forma a evitar o regresso da extrema-direita ao poder. Para alguns analistas o risco é alto: poderá abrir caminho a uma futura vitória eleitoral do FPOe reunificado.
O populista inovador
Haider pertence a um família que poderia ser designada por "populismo dos ricos". Tal como a Lombardia de Umberto Bossi ou a Suíça de Cristoph Blocher, a Áustria é um país próspero. Nas bases destes movimentos dominam pequenos patrões "competitivos" e operários bem pagos.
Do ponto de vista ideológico é difícil classificar o FPOe. O politólogo Fritz Plasser mostra que o denominador comum do seu heterogéneo eleitorado é o protesto, com destaque para jovens e operários desiludidos com o SPOe. Assenta numa "cultura de rejeição", na denúncia da criminalidade, dos estrangeiros, dos privilegiados e da corrupção do duopólio partidário da "grande coligação".
Haider divide os intelectuais austríacos, anota Cécile Kerebel. Enquanto os "resistentes" continuam a apontar como traço fundamental a referência ao nacional-socialismo, os "fleumáticos" pensam que Haider foi um inovador. "Soube redefinir o FPOe como partido de protesto, explorando as aspirações e angústias populares", sem pôr em causa a representação democrática mas recorrendo a "um discurso de proximidade através dos media".
Observou o jornalista Armin Thurnher que as campanhas mediáticas contra Haider acabaram por aumentar o seu fascínio. Idêntica opinião tem o historiador Ernst Hanisch: a diabolização de Haider reforçou o seu carisma, a sua representação como encarnação do mal tornou-o mais interessante aos olhos da população, permitindo-lhe explorar a "vitimização". Nas eleições de 1999, os cartazes diziam: "São todos contra ele porque ele está do vosso lado."
Haider morreu. Que será o FPOe de Heinz-Chistian Strache, com a sua boina à Che Guevara?, in Publico
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
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