segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O dedo imperialista ataca novamente.

Ocorreu uma batalha decisiva não somente para a Bolívia, mas para toda a América Latina.
Uma vitória do governo Evo Morales e a derrota dos governadores opositores de La Paz, Cochabamba e Pando significaria o começo de uma ofensiva para desarticular a oligarquia boliviana. A direita tratou de criar um clima de polarização para evitar uma consulta na qual tem todas as hipóteses de perder, porque a popularidade do governo é muito alta como resultado das importantes mudanças introduzidas nestes dois anos e meio.
O primeiro elemento a ser levado em conta é que dois terços dos bolivianos reconhecem-se como indígenas, sendo que, pela primeira vez na história, têm um presidente de sua mesma cultura.
O segundo é o que o governo está a gerar algumas transferências de renda para os mais pobres, como o fundo escolar Juancito Pinto, pelo qual 1,8 milhão de estudantes recebem 200 bolivianos anuais (28 dólares) para evitar a evasão. Além disso, há a Renda Dignidade, de até 3 mil bolivianos (425 dólares), que beneficia 570 mil pessoas maiores de 60 anos, e que é financiada pelo Imposto Directo sobre os Combustíveis.
Em terceiro lugar, destaca-se as mudanças estruturais que resultam no fortalecimento do papel do Estado na economia e numa importante melhoria económica do país, em parte assegurada pelo aumento dos preços internacionais dos combustíveis, especialmente do petróleo. As reservas internacionais da Bolívia passaram de 1,7 mil milhões de dólares (antes de Evo) para 7 mil milhões de dólares. No final deste ano, as exportações terão se multiplicado cinco vezes, com destaque para minerais, combustíveis e produtos da agroindústria. A participação do Estado na economia passou de 13% para 22% nestes 30 meses de governo. No que diz respeito aos rendimentos petrolíferos, o controlo do Estado passou de 27% para 75%, elevando a sua receita de 500 milhões de dólares anuais para 2 mil milhões de dólares anuais.
Na área de mineração, terceiro núcleo do poder boliviano, o Estado passou a controlar 55% dos lucros (a partir da aprovação da lei de impostos sobre produtos de mineração). Antes, recebia apenas 20%. Além disso, o Estado entrou no negócio através das minas Huanuni e Vinto, e prevê outros quatro projectos de exploração para 2009. Mesmo sem nacionalizações com confiscos, as mudanças são notáveis. Nos sectores da pecuária e da agroindústria, o Estado deixou de transferir aos grandes produtores 150 milhões de dólares anuais em infra-estrutura e apoio técnico, para criar um programa de apoio a pequenos e médios produtores de arroz, trigo, milho e soja. Começou também a intervir no mercado da soja, comprando de pequenos produtores, aos quais paga preços superiores aos de mercado. Este ano, o governo espera administrar 80 mil toneladas, 10% da produção total.

Essas mudanças, que tendem a aprofundar-se, explicam o boicote e as ameaças das classes dominantes, que percebem a possibilidade de receber um duro golpe. Caso se confirmasse a vitória no referendo, o governo levará às urnas a nova Constituição, aprovada pela Assembleia Constituinte em 9 de Dezembro de 2007. Até agora absteve-se de dar este passo pela relação de forças criada nos primeiros meses do ano e pela ofensiva da direita com a convocação dos referendos autonómicos. Pode-se objectar que o governo não enfrentou com a força necessária a oligarquia de Santa Cruz, em particular na polémica questão da terra. Até agora, entregou 800 mil hectares, dos 30 milhões que espera transferir às 200 mil famílias campesinas.
Até aqui, o governo está a distribuir terras que não tocam nos interesses dos latifundiários, que boicotam de forma violenta os trabalhos do Ministério de Terras, em Santa Cruz, onde ainda vivem comunidades indígenas em situação de escravidão.
Mais do que derrotar o governo de Evo, essa oligarquia busca blindar os seus interesses construindo um cordão, material e simbólico, para impedir que os movimentos indígenas, amplamente hegemónicos no altiplano, possam derrotá-la como fizeram entre 2000 e 2005 com as elites que governavam de La Paz.

Morales ganhou a batalha, foi confirmado no cargo por cerca de 63% dos votos.
Oito dos nove governadores dos Departamentos bolivianos também se submeteram a referendos revogatórios. As sondagens apontam que três deles foram rejeitados pela população: Manfred Reyes Villa (Cochabamba), José Luis Paredes (La Paz) e Alberto Aguilar (Oruro). Os dois primeiros faziam oposição a Evo Morales, e Aguilar apoiava-o.
Mas os governadores de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, os principais opositores de Evo, também tiveram os seus mandatos confirmados e endureceram os discursos, dizendo que a nova Constituição não pode ser aplicada.

Desde que venceu o referendo revogatório, o presidente Evo Morales tem sido confrontado com greves, bloqueios e acções violentas promovendo a tomada de controlo de instituições estatais nos departamentos (estados) nalgumas províncias governadas pelos seus opositores, ao lado de comités cívicos regionais, formados principalmente por empresários, que concentram a produção de hidrocarbonetos, a maior riqueza do país.
Estas regiões exigem que o governo lhes devolva os impostos do gás que estão a ser aplicados num programa nacional de assistência aos idosos. Este programa está a ser aplicado em todo o país desde o mês de Janeiro.

As políticas de Morales são consideradas uma afronta aos interesses das grandes companhias e também dos EUA, que colocaram Philip Goldberg como embaixador em La Paz. Para a esquerda boliviana, aquela escolha não foi inocente, dado que Goldberg é considerado um "especialista em separatismos" e acusado de continuar a fazer na Bolívia o mesmo trabalho que teve nos últimos postos por onde passou em representação dos EUA: Bósnia-Herzegovina e Kosovo, onde trabalhou para consolidar a separação e a independência dessa região, depois da Guerra dos Balcãs.

O presidente da Bolívia declarou o embaixador dos EUA em La Paz persona non grata, ordenando a sua expulsão do território.
A crise política da Bolívia agravou-se com a radicalização dos protestos contra Evo Morales em várias regiões do país, onde se registaram ataques a infra-estruturas energéticas nas regiões dominadas pela oposição. Uma ocupação e explosão no maior gasoduto do país obrigou à redução em 10% das exportações de gás natural para o Brasil. Este é o último incidente grave na escalada que levou a oposição a assaltar recentemente pelo menos 22 edifícios públicos nas regiões de Santa Cruz, Tarija (região que detém 60% da produção de gás e 85% das reservas do país), Beni, Pando e Sucre. Todas são ricas em recursos energéticos e opõem-se às políticas de Morales.
Há relatos de vários feridos em confrontos com a polícia e militares, bem como regiões isoladas e escassez de produtos alimentares.

Tais acções estão vinculadas à estratégia do imperialismo americano de provocar uma crise regional e tentar travar os processos revolucionários e reformistas nos países da região.
O país corre um risco grave de jugoslavização e fragmentação devido ao facto de que as oligarquias do oriente, apoiadas pela embaixada dos Estados Unidos, possui grupos armados, contratados especialmente por proprietários de terras bolivianos, brasileiros e norte-americanos",
Eugenio Rojas, presidente da Câmara da cidade de Achacachi, no ocidente do país, e líder do movimento indígena "poncho rojos", declarou estado de emergência nas filas camponesas e ameaçou a tomada de terras e fábricas no oriente.
Outros dirigentes sociais, separadamente, afirmaram que retomarão as instituições públicas controladas pela oposição e defenderão o governo Evo, se necessário, com as suas vidas.
A Federação Nacional de Cooperativas Mineradoras (Fencomin) havia dado um prazo de 72 horas aos governadores da oposição para que estes retomassem o diálogo com o Executivo. "Caso contrário, as cooperativas mineradoras se mobilizarão a nível nacional em defesa da democracia em liberdade, da igualdade social e da unidade do país. Se eles exigem nosso sangue, nós vamos oferecê-lo mais uma vez para o benefício de todo o povo boliviano", diz o comunicado da entidade.

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