terça-feira, 16 de dezembro de 2008

José de Mello, Haja Saude no dinheiro

Este é o último mês de concessão da gestão do Hospital Amadora-Sintra à holding José de Mello Saúde liderada por Salvador de Mello.
O fim desta experiência de 13 anos de gestão privada num hospital público ficará como um monumento ao que não deve ser feito nas agora tão discutidas parcerias público-privado. A sociedade gestora privada apresentou à comunicação social um estudo por si encomendado e pago, para demonstrar a "eficácia" da sua gestão.
Ao contrário do que conclui o estudo apresentado, que não é mais do que uma auto-avaliação glorificando o grupo, as contas referentes a este hospital não estão validadas desde 2002, 2003.

Tudo começou, torto, em 1995, com a minuta do contrato a ser assinada por Cavaco Silva, em Julho, e o Tribunal de Contas a validá-la dois dias antes das eleições que o PS viria a ganhar, em Outubro. O Governo do PS não contestou e fazê-lo seria já difícil, dada a validade jurídica da minuta.
Escandalosamente foram pagos 3,75 milhões de euros à entidade gestora, referentes a Novembro e Dezembro de 1995, meses em que ainda foi o Estado a assegurar a gestão daquele Hospital.
Seis anos depois, foi posta em causa pela Inspecção-Geral de Finanças e o Tribunal de Contas a transferência de dinheiros do Estado para o hospital porque se detectaram pagamentos em duplicado por erro de contas e a contabilização de inúmeras consultas, internamentos, cirurgias e exames complementares de diagnóstico que nunca existiram e que serviram como factura para cobrar dinheiro do Estado.

O então eleito ministro da Saúde, Correia de Campos alto quadro do Grupo Mello antes de ir para o Governo, fez tudo para descredibilizar e demolir o relatório da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo no qual além da referência desta embrulhada financeira, referencia também que esta gestão privada não atingiu a produção esperada nalgumas importantes valências de acordo com o definido no contrato; não resolveu a questão das listas de espera; os custos previstos foram sucessivamente ultrapassados; não acautelou os riscos de promiscuidade a que os hospitais públicos ficam sujeitos, quando neles coexistem as actividades pública e privada. Correia de Campos chegou ao ponto de até lhes recusar o apoio jurídico devido para se defenderem das acções entretanto interpostas pelo Grupo Mello no Tribunal Arbitral em relação a actos decorrentes do mais estrito cumprimento das suas funções.
Nunca se explicou como é que se processou a demissão do Conselho de Administração da ARS presidido pela Dr.ª Manuela Lima, que denunciou esta situação.

E a partir daí nunca mais acabou a embrulhada que culminou com o ex-ministro Luís Filipe Pereira, que também como ele foi alto quadro do Grupo Mello antes de ir para o Governo, a sancionar as conclusões do tribunal arbitral no qual o estado teve de pagar uma sanção de 38 milhões de euros.

E, assim, se beneficiou o Grupo Mello em 113 milhões de euros!

Não houve, da parte de nenhum governo, a intenção de acompanhar nem de fiscalizar este negócio. Montou-se, por isso, deliberadamente, um sistema de acompanhamento ineficaz e inexistente, aceitando-se todas as imposições do Grupo Mello, sem discutir. Por isso é que este processo é tão importante: não, fundamentalmente, a questão da absolvição dos dirigentes do Ministério da Saúde mas, sim, o facto de nunca ter sido montada uma rede para controlar este negócio e para defender o interesse público, porque isso significaria pôr em causa as apregoadas vantagens da gestão privada.

Bem o disse na altura Salvador de Melo, Presidente da José de Mello Saúde, quando da decisão do Tribunal Arbitral: «Estamos muito satisfeitos com esta decisão. (...) É um bom prenúncio para as parcerias público-privadas.

Esta decisão dá-nos ânimo para avançarmos com a nossa candidatura a todos os 10 novos hospitais públicos que vão ter gestão privada.»

O Hospital Amadora-Sintra é um exemplo da impunidade e do favorecimento de interesses privados, e é uma lição decisiva para demonstrar as reais consequências da privatização da saúde, quer para os portugueses, quer para o erário público.

Foram bons tempos para Salvador de Melo e companhia, e embora o protesto feito por este aquando a decisão do actual primeiro-ministro, no seu primeiro ano de mandato, de cancelamento da revalidação do contrato com a Mello e Estado para o Hospital Amadora-Sintra o qual finda este mês, nesta mesma semana, o primeiro-ministro e a ministra da saúde estiveram em Braga a visitar o novo projecto para o futuro hospital distrital daquela região e o mesmo primeiro-ministro que retirou o grupo Mello do Amadora-Sintra entrega a gestão deste hospital... ao grupo Mello! A José de Mello Saúde estará por 10 anos à frente da gestão administrativa do futuro hospital universitário de Braga e 30 anos na sua manutenção!!!!!!!!

A área da saúde é, hoje em dia, um sector particularmente apetecido pelo sector privado, não certamente por milagre de filantropia súbita mas, sim, pelos lucros obtidos quando exploram este sector tão sensível para as pessoas.

A José de Mello Saúde é uma holding do Grupo Mello para a área da saúde e que existe em Portugal desde 1945, altura em que criou o 1º Hospital da CUF. Actualmente a José de Mello Saúde gere 8 hospitais/clínicas privadas em Portugal, uma em Espanha e prepara-se para abrir novos projectos na área da saúde privada para muito breve - um hospital privado no Porto, outro em Sintra, entre outros. Cada um destes hospitais e clínicas oferece um vasto conjunto de serviços de diagnostico e prestação de cuidados, os quais os seus utilizadores pagam directamente ou através dos seguros de saúde. Para além disso, as unidades CUF mantêm alguns acordos de prestação de serviço convencionados com o Estado, cobrando directamente dos dinheiros públicos os serviços que este não foi capaz de criar no SNS. Já no final de 2007, após os primeiros sinais de crise dos mercados bolsistas, este grupo apresentava um aumento no volume de negócios de 9,9% em relação ao ano transacto, que correspondia a 331 milhões de euros. Estimativas da própria holding afirmam que a taxa de crescimento anual do seu volume de negócios, nos últimos 10 anos, é superior a 10%.

Mas estes dados só ganham sentido a partir de duas permissas: a primeira é a de que este crescimento económico do grupo regista-se sobretudo nos últimos 10 anos. A segunda é que grande parte deste volume de negócios é feita à custa das convenções estabelecidas com o Estado, aliás tal como as convenções que o grupo BES estabeleceu recentemente com a ADSE no Hospital da Luz.

As políticas públicas de saúde que são políticas de desinvestimento estão na causa deste crescimento económico. O sub-financiamento crónico do SNS, que se tem acentuado na última década, é o responsável pelo crescimento do volume de negócios dos grupos privados da saúde. As listas de espera, a falta de profissionais, o fecho de unidades de saúde públicas são os responsáveis pelo aumento das consultas e das cirurgias nas unidades privadas - só no último ano, os hospitais da CUF registam aumentos da ordem dos 10%.

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